Determinada pelo ministro Alexandre de Moraes e referendada por unanimidade pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), a prisão do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) tem provocado um debate oportuno, num momento de discursos extremistas, radicalismo e ódio. Ele foi preso em flagrante pela Polícia Federal por defender, na base da baixaria, o fechamento do STF, e por fazer apologia ao Ato Institucional 5 (AI-5), o pior instrumento de repressão implantado durante a ditadura militar. A prisão agora ainda precisa ser analisada pela Câmara dos Deputados, que pelo voto da maioria decidirão destino de Silveira; e ele pode ter o mandato cassado.
Pela decisão do STF, a plataforma YouTube também deve retirar o vídeo do ar, sob pena de multa diária de R$ 100 mil. Pelo conteúdo de três vídeos publicados, dois em 2020 e o desta semana, o parlamentar é acusado de praticar agressões verbais e graves ameaças contra os ministros. A Procuradoria-Geral da República pediu que o deputado use tornozeleira eletrônica. Observadores mais superficiais podem até enxergar nessa sequência de reação um paralelo com o próprio AI-5, que o deputado que ver reinstalado.
A diferença é abissal, obviamente. O parlamentar não foi jogado em nenhum porão, torturado com fios ligados à eletricidade, correndo o risco de ser morto e ter seu corpo desovado em alguma vala clandestina para nunca mais ser achado. Longe disso. Toda a tramitação ocorre às claras, com amplo direito de defesa e respaldo da Constituição Federal. Numa interpretação mais ampla, surgem os que se preocupam com os efeitos colaterais dessa decisão, que podem significar danos à liberdade de expressão e de imprensa. Se a Justiça manda tirar do ar o vídeo do deputado, pode usar a mesma ferramenta e sair censurando indiscriminadamente? Tão inaceitável quanto improvável.
As instituições ainda funcionam neste País. Episódios execráveis como esse não devem ser suficientes para inspirar arbitrariedades dignas do AI-5 que o deputado exalta. Não se pode confundir liberdade de expressão com licença para a prática da delinquência por parte de qualquer cidadão – incluindo os ministros do Supremo, e entre eles Alexandre de Moraes. A famigerada “imunidade parlamentar”, a propósito, não é ilimitada. Existe para ser usada no exercício do mandato, dentro dos mais elementares conceitos de urbanidade, em nome do interesse público.
A libertinagem é reprovável, ainda mais quando uma autoridade, com um cargo obtido por meio democrático, se comporta de maneira notoriamente subversiva e se manifesta de forma a colocar em risco a própria democracia que o elegeu. Os antecedentes de outras personalidades da política extremista nesse mesmo sentido só reforçam a legitimidade e a urgência da medida. Os antecedentes dele, aliás, não o ajudam muito. Levantamento do jornal O Globo revelou que o deputado, um ex-PM, carrega um currículo recheado de atestados médicos falsos, prisão, vandalismo, repreensões da Polícia Militar e distribuição de fake news.
O episódio desta semana foi a gota d’água. O tempo de permanência atrás das grades nem é o principal. Mais forte é o recado de que no Brasil a lei precisa valer para todos, na justa medida dos atos de cada um.
Comentários sobre esse post