Há exatos 27 anos, centenas de jovens estudantes de Araçatuba se concentravam na praça Getúlio Vargas para comemorar um ato histórico: a renúncia do então presidente Fernando Collor de Mello. Procurados pela reportagem da Folha da Região, muitos dos que participaram desta mobilização como as anteriores pedindo a queda do presidente lamentam não ter fotografias daquela época. “Não era fácil como hoje”, dizem.
Vários deles, inclusive, lamentam que pouca coisa mudou desde então. O professor Hélio Consolaro, por exemplo, que foi bastante ativo no movimento dos Caras Pintadas – jovens que foram às ruas de várias cidades do país em passeatas – diz que “pouco se aprendeu” com o passar do tempo.
“Aprendemos muito pouco. Continuamos elegendo pessoas meio desequilibradas. Já tínhamos o Jânio Quadros (que renunciou em 1961) e víamos o Collor cair. Hoje elegeu-se o Bolsonaro, que a gente não sabe bem para onde vai”, disse Consolaro.
Sobre a participação dos jovens, Consolaro disse que na época não havia a divisão entre a esquerda e a direita, como hoje. Segundo ele, os jovens formavam uma “força democrática”. “Hoje vejo os jovens mais à direita, o que é uma forma de participar. Não é bom, nem ruim, depende do ponto de vista.
O advogado Fernando Zar, que foi um dos jovens do movimento dos Caras Pintadas se lembra da grande mobilização de jovens estudantes à época. Segundo ele, na atualidade há um paralelo com a Era Collor.
Ele destaca que como naquela época, houve uma grande expectativa e o presidente Bolsonaro também tem tomado atitudes – como Collor – que faz com que perca base no Congresso. “Collor perdeu todos os apoios, e Bolsonaro ainda os têm, pelo menos por enquanto”.
ANÁLISE
O professor de Sociologia e Filosofia, Rafael Costa, faz uma análise sobre o que esse evento representou à época e como ele reverbera ainda hoje, quase três décadas depois.
Os fatos que levaram o processo de impeachment e depois a renúncia de Fernando Collor de Melo são bem conhecidos pela população. Houve o confisco da poupança, somado com planos econômicos que não deram certo e mais escândalos de corrupção que mobilizaram a mídia e boa parte da classe média contra o Governo Collor.
“Foi um momento em que as nossas instituições democráticas, que tinham acabado de ser formadas pela Constituição de 88, foram colocadas à prova, e resistiram. Resistiram porque tirar o Collor do poder naquele momento não era tarefa difícil, ele não tinha apoio popular e nem era mais sustentado pela alta burguesia e classe política da época”, começa o professor.
Sucessor
Conforme Costa, esse cenário ficava ainda mais simples para o impeachment quando vemos que o vice do Collor, Itamar Franco, era um político de centro-direita, com uma carreira sólida e sem polêmicas.
“Era alguém que a alta burguesia e classe política poderiam confiar. O resto da história são fatos já bem conhecidos, como a criação do Plano Real que acabou com o problema da inflação do país, levando um sociólogo sem carisma popular, Fernando Henrique Cardoso, à presidência da República”, explica o professor.
Costa acrescenta ainda que outros fatos também são dignos de serem lembrados, como por exemplo, “a ironia histórica do confisco da poupança, pois grande parte da classe média justificava seu voto no Collor, porque o Lula, principal adversário de Collor em 89, era comunista e iria tirar casas, carros e confiscar a poupança da população”.
Outro aspecto importante neste período, que de acordo com Costa está mais ligado à eleição e ao governo Collor do que com a renúncia propriamente, é a adesão do Brasil ao neoliberalismo.
“Muito do que nós ouvimos da boca do Paulo Guedes, como enxugar o Estado, pois ele é grande e ineficiente, o Collor já adotava na sua gestão. Inclusive, existia uma campanha publicitária, durante o Governo Collor, que comparava o Estado brasileiro a um elefante que incomodava uma família dentro da sua casa. Desde então, tem sido essa lógica adotada por todos os governos que passaram, inclusive os do PT”, afirma.
FATO DECISIVO
Portanto, mesmo quase 30 anos tendo se passado da renúncia do Collor, podemos considerar este um fato decisivo para o Brasil atual, pois “foi com a eleição de Collor que o projeto social-democrata, esboçado na Constituição de 88, foi deixado de lado para adotarmos o neoliberalismo como um padrão de governo”, diz o professor.
O último fator que deve ser considerado como relevante em uma rápida reflexão sobre o pedido Collor de Melo, é o discurso moralista anti-corrupção.
“Não podemos nos esquecer que Collor era considerado o caçador de Marajás, e como esse discurso simplista conquistou grande parte da mídia e da classe média. E que é conquistada por esse discurso até hoje. Basta algum político falar em ‘caçar privilégios no setor público’ que é a versão 2.0 do ‘caçador de Marajás’, passando a ser visto com bons olhos por parte da população”, diz Costa.
O professor acrescenta, ainda, que Bolsonaro e João Doria se elegeram em cima dessa lógica. “E é importante lembrar disso, pois esse discurso moralista já colocou o Brasil em várias situações difíceis desde que ele surgiu como tema nacional com Carlos Lacerda na década de 50”.
Com essa visão de que a política é apenas combate à corrupção, vimos o suicídio de Getúlio Vargas, a eleição de Jânio Quadros que ficou 7 meses no cargo, apoio da classe média e meios de comunicação ao Golpe de 64 e a eleição do Collor. Assim, Costa finaliza a análise:
“É uma sequência de fatos que não trouxeram coisas muito positivas para o país”.
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