É apenas uma janela: a do meu quarto. Aberta ou fechada só pode ser definida como tal. Mantive suas duas folhas trancadas por muito tempo, pois se abre para a calçada e os transeuntes poderiam avistar por aquela moldura retangular, o meu esconderijo, a minha vida. E ter a vida devassada por olhos estranhos não me atrai. Fechar a janela é o único movimento possível diante da constatação de que alguém, vendo-a aberta, pode espalhar por aí os meus guardados como notícia. Ao mantê-la aberta também poderão entrar olhos abelhudos que me causarão transtornos morais ou até físicos, tornando público o que é privado.
Há também o outro lado dessa questão: a janela fechada é uma condenação à escuridão; aberta, deixa-nos fruir da luz do sol. Porém, nada vai mudar a consequência de manter aberta ou fechada uma janela. A escolha é do seu usuário. Neste caso, falo de minha própria janela, aquela por onde vejo meu mundo.
Já tive janelas variadas: a de frente para a rua, a que se abria para um paredão vizinho, para um estreito corredor, para um vasto quintal ou para um terreno baldio. Meus pais tiveram uma vida difícil, em casas alugadas e este foi o motivo de tantos tipos de janelas.
E elas deixaram lembranças: o namoradinho na calçada, debaixo de um guarda-chuva numa tarde de garoa; minha amiga me chamando para a sessão de domingo do Cine São Francisco; a procissão católica do encontro, passando por minha rua; o verdureiro batendo palmas no portão e muitas outras que poderiam, mas não devem ser desfiladas aqui. Não tive, porém, uma janela de meu quarto abrindo-se para um lago, uma praça florida, nem mesmo para o mar, sonhos de quase todos nós.
Por que falar sobre janelas? Porque me lembrei do motivo de hoje estar escrevendo alguns artigos para jornais ou publicando livros: reportei-me aos meus onze anos, ao curso preparatório do professor Terra e às aulas de Português do nosso amigo, o professor-advogado, Fernando Rosa que nos sugeriu escrever uma composição livre. Tarefa de casa, cumpri a minha e iniciei meu texto assim: “Abri minha janela para o sol”, inspirada pela janela do meu quarto, que se abria para o leste.
Entreguei meu texto ao Fernando. Ao devolvê-lo corrigido, ele comentou meu escrito e disse para a classe que eu tinha qualidades para ser escritora. Naquela idade eu não tinha muita noção de futuro, mas hoje eu sei o quanto aquelas palavras ajudaram-me na escalada para minhas publicações.
De uma forma ou de outra, concluí que as janelas fazem parte de nossas visões, de nossos sonhos. Os poetas falam das janelas da alma ou das janelas dos olhos; outros, mais práticos, falam das janelas das oportunidades, das janelas do conhecimento. Há uma infinidade delas: janelas de fugas e janelas permissivas, prontas para a entrada das sentinelas do alheio ou para que alguém nos estenda sua mão amiga. Enfim, são as janelas, artifícios usados tanto para entrada como para saída da luz ou da sombra. É importante que cada um vigie a sua.
E questionamos: qual terá sido a primeira janela a ser aberta? Seria a janela para a luz a obra-prima de Deus?
Se não podemos responder a essas questões, podemos, no entanto, avaliar o poder das janelas.
Quantas já deixamos trancadas para a luz até hoje? Quantas ainda temos a possibilidade de abrir? É uma boa reflexão para quem está desnutrido de esperança. Vamos lá! Abramos essas janelas para o sol!
Marilurdes Martins Campezi é membro da UBE (União Brasileira de Escritores) e da AAL
(Academia Araçatubense de Letras)
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