A Biologia define a identidade de pai e mãe pelo DNA. Mas o amor tem outra explicação para esses papéis: o carinho, a responsabilidade e o compromisso em se doar por inteiro.
Nesse Dia dos Pais, muitos comemoram a data parabenizando não só quem tem consigo um laço sanguíneo, mas quem estabeleceu um laço afetivo tão forte, que a genética fica em segundo plano. É o caso dos padrastos e enteados, que na maioria dos lares brasileiros dão espaço è relação entre pais e filhos.

Quando a empresária Ana Carolina de Jesus Alves, de 33 anos, conheceu o auxiliar administrativo Allan Chiquito del Páscoa, de 40, ela já tinha a pequena Larissa, na época, com 5 aninhos. Os dois, que hoje são casados e moram em Guararapes, contam que no início do relacionamento, Larissa, hoje com 11 anos, sentia um pouquinho de ciúmes da mãe com o namorado. Mas bastou um pouco de convivência e a relação entre os dois se fortaleceu. “Eu, como mãe, agradeço muito por eles se darem tão bem e ele poder trazer pra ela tudo o que um pai pode fazer e desejar para uma filha biológica”, revela Ana.
Allan, que não tem filho biológico, conta que muita coisa mudou na vida dele depois que conheceu a esposa e a enteada. “Me aproximar de um amor verdadeiro de uma criança é muito gratificante. Ela me ensinou a olhar várias coisas de forma diferente, a curtir um fim de tarde num parquinho, ir ao circo e dar gargalhadas. Assumir este papel de pai me fez amadurecer muito”, ressalta.
De tão especial que um se tornou para o outro, ele conta que nem parece que não há laço sanguíneo entre os dois, principalmente por que Larissa o chama de pai. Papel que ele assumiu com muita responsabilidade, educando a menina, ensinando o que é certo, alertando sobre o que é errado e estando presente em todos os momentos da vida dela.
Agradar ela com um simples chocolate e sorvete, fazer a comida preferida dela, levar ela na escola, ensinar ela a jogar vários jogos, brincar mesmo cansado após um dia de serviço, defender ela das brincadeiras de mal gosto que já sofreu , levar nos aniversários dos amiguinhos e contar as travessuras de criança, são momentos especiais que os dois compartilham juntos. “São pequenas coisas que me fazem hoje muito feliz em viver tudo isso. Ela é minha filha e digo a ela todos os dias antes de dormir: filha linda do papai, te amo muito. E ela muito carinhosa me corresponde com o mesmo amor”, finaliza.
FAMÍLIA COMPLETA
O publicitário Guilherme de Melo, de 28 anos, e o padrasto dele, o zootecnista Flávio Roberto Finger, de 47, já passaram muitas madrugadas jogando Battlefield, um jogo de videogame. A brincadeira de infância se repete até hoje, quando os dois se encontram.

Os pais de Guilherme tiveram ele e o irmão mais velho, Gabriel, de 30. Com o término do relacionamento, ambos seguiram destinos diferentes e se casaram de novo.
Flávio chegou na vida do Guilherme e do irmão quando eles tinham 9 e 11 anos de idade. “O Flávio é um pai para mim. Eu só não chamo ele de pai porque tenho o meu pai biológico, com quem tenho um relacionamento muito bom. Com o Flávio tive muitas experiências de vida, conselhos, puxões de orelha e expressões de amor e afeto que fizeram dele um pai pra mim. Sempre tive comigo que a vida me deu um pai a mais e avós a mais, e eu me considero sortudo por isso”, destaca ele, que é pai do pequeno Miguel, de 1 ano e três meses.
Ele conta que o padrasto sempre foi um grande amigo. Laço que continua forte mesmo com a distância. É que o publicitário mora em Araçatuba e atualmente a mãe dele e o padrasto moram em Dourados (MS). “Ele é uma das pessoas mais inteligentes que eu conheço. Sempre foi um exemplo pra mim. Me ensinou muita coisa que eu uso hoje como pai, como a questão de ser amigo do filho. Além disso, ele é gaúcho tchê! Me ensinou a gostar de chimarrão e fazenda, andar a cavalo e churrasco. Coisas que gostamos muito de fazer quando estamos juntos”.
Flávio conta que assumir o papel de padrasto foi literalmente assumir o papel de pai, já que na época ele não tinha filhos. “Me tornei ‘paidrasto’ logo de cara. Foi um grande desafio, pois estávamos formando esse novo perfil da nova família. Mas com muito amor e a presença de Deus em nossas vidas conseguimos vencer desafios, obstáculos, lutas e assim chegamos aos dias bons”, conta ele, que anos depois, junto com a esposa, adotou um menino de 3 anos. O Flavinho, como carinhosamente é chamado pela família, hoje tem 9 anos.
Confessa que no início, o maior desafio foi superar o preconceito da sociedade e de alguns familiares. “A sociedade ainda tem muita resistência a esse modelo de família. Enxerga como uma carga emocional. Mas pra mim sempre foi natural desde o início. Eu amava a mãe deles e assumi a paternidade sem problema algum. Meus filhos são tudo pra mim. É como se eu tivesse acompanhando a vida deles desde o nascimento. Tudo o que sou hoje, devo a eles. É uma grande satisfação ter minha família, meus três filhos e o meu netinho, que chegou para alegrar ainda mais a família”, finaliza.
UMA ESCOLHA
A auxiliar administrativa Paula Menezes, 33 anos, e o marceneiro Plínio da Costa Gratão, 29, são casados há 8 anos. Quando começaram a namorar, Paula já tinha a Paloma, na época com 8. “No começo do namoro, eu privava ela de ter contato com meu namorado para não criar laços afetivos e depois sofrer se acaso a relação viesse a terminar”, relembra.

Plínio não tinha filhos na época e conta que tudo foi muito novo. “Uma coisa é você ter a notícia de que vai ser pai, que tem um filho à caminho que você gerou. Outra coisa é você chegar num momento e receber aquele filho pra você, sem nenhum aspecto sanguíneo. Só o amor incondicional explica, pois você tem escolha de ter ou não, amar ou não, cuidar ou não”, ressalta.
O passar dos anos só fortaleceu a relação entre pai e filha, deixando ambos muito parecidos. Dentre as várias coisas que têm em comum, não gostar de tirar foto é uma delas. Paloma chama Plínio de pai e eles são bem amigos. Conversar é o que mais gostam de fazer. “Ela representa tudo pra mim. Um filho que chega dessa forma é duas vezes seu, uma por você aceitar e outra por ela receber. Não existe diferença se há ou não laço sanguíneo”, diz ele.
“Os laços sanguíneos nunca importaram”, revela a estudante Paloma Uemura, de 18. Questionada sobre o que mais gosta no pai, ela responde que é o coração bondoso que ele tem. “Ele é um exemplo a ser seguido. Ele sempre foi muito batalhador, honesto em tudo o que vai fazer e tem um coração muito bom”, revela.
Além de Paloma, Paula e Plínio tiveram também a filha caçula, Maria Luiza, de 5 anos.
“Amor é alimentado por afeto, convivência, presença e demonstração de importância”, destaca psicóloga
A psicóloga Helen Ferraz Wohlers Martins, que desenvolve um trabalho focado principalmente na construção familiar, atua também com palestras que destacam a relação entre pais filhos.
Ela explica que na construção interna de uma criança, a função parental (papéis de pai e mãe) é de extrema importância para a formação do caráter e construções mentais e sociais do indivíduo.
Quando surge a presença de um padrasto, numa relação saudável, a psicóloga destaca que ele ocupa esse lugar. “Ele assume essa função parental e colabora para o crescimento e desenvolvimento desse enteado. Sem contar que, uma relação saudável e prazerosa do padrasto com o enteado, gera um alívio e uma tranquilidade muito grande para a mãe que agora tem um novo parceiro no desafio de educar seus filhos”, ressalta.
Helen destaca que levando em conta um cenário em que uma criança que foi retirada do convívio com o seu pai, seja por quais razões forem, a presença de uma figura paterna, como a do padrasto, bondosa, atenciosa, firme e carinhosa faz toda a diferença. “Existe dentro da criança a expectativa e a necessidade de que alguém seja maior e mais forte do que ela. Esse papel cabe ao pai desenvolver, colocando limites e estabelecendo regras de um lado, e de outro lado, incentivando e gerando segurança”, diz.
Na vida do homem, agora padrasto, também ocorrem alterações profundas, segundo ela. “Agora ele é responsável por e referência para alguém que depende dele e o vê como uma figura de autoridade e proteção. E esse homem agora também passa a desfrutar de carinho e amor de uma criança que certamente o fará se sentir feliz e realizado”.
Ela salienta que na relação entre pais que têm seus filhos biológicos, o caminho é totalmente diferente de uma relação em que há um padrasto. Ela explica que na relação de pais, primeiro existe só o casal e depois é que vem o filho.O que acontece com o padrasto é totalmente diferente. “Ele entra em um espaço onde já há uma relação entre mãe e filho. Já existem hábitos, histórias, regras, confiança e espaços delimitados.
Por isso, segundo ela, é muito importante nesse momento respeitar o tempo da criança. Pode ser que ela demore um pouco para se acostumar com a ideia de outro adulto em sua vida que não é seu pai. “O padrasto muitas vezes vai precisar conquistar a criança, mostrar que está lá para somar e não para dividir. Após a relação de confiança ser estabelecida, tudo fica mais fácil. O amor é alimentado por afeto e proximidade, por compaixão e convivência, presença, participação e demonstração de importância. E assim, pouco a pouco, com paciência e dedicação, com o tempo, se forma um laço inquebrável”, finaliza.
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