“Não consigo me satisfazer”! Este bordão, cantado por Mick Jagger, é considerado verso emblemático da cultura atual. Retrata com precisão poética o difuso sentimento subjacente ao atual mal humor que contagia variadas gerações. No presente estágio de formidável progresso cibernético e tecnológico, o ser humano, paradoxalmente, encontra-se desapontado com seu mundo e desiludido com sua própria história. Nem o que é apresentado como solução fácil – drogas, sexo, consumo – resolve.
Intriga como nem a religião consegue cumprir sua fundamental razão de ser. Curioso, muitos de nossos templos andam razoavelmente frequentados. Imagina-se, pois, tratar-se de pessoas resolvidas. No entanto, apesar do considerável número de praticantes, o contexto social permanece perturbado, claro indicativo que entre estes também persiste difuso desencanto!
O desacerto, portanto, é mais dramático! Se nem a religião consegue atingir sua fundamental proposta, é porque equívocos graves acontecem. Na análise das celebrações emerge um dado curioso: os rituais estão ficando cada vez mais ruidosos, explorando o emocional e prometendo soluções rápidas para problemas individuais.
Este compasso utilitário de procura e de oferta, próprio à cultura atual e infiltrado nas liturgias, descaracteriza a essência da religião e aliena as pessoas de realidades mais contundentes. Muitos dos desafios individuais refletem e seguem o geral desacerto da sociedade. Ilusão pensar em soluções individuais se o tecido social permanecer esgarçado. Liturgias centradas em cantorias e curas atraem e emocionam, mas não respondem aos anseios mais profundos. Urge, primeiro, resgatar o coletivo, caso se queira efetivamente eliminar sofrimentos pontuais. Resgata-se dessa forma a principal função da religião, a redenção da humanidade.
Cultua-se verdadeiramente a Deus quando se aprende a enxergar o semelhante. Glorifica a Deus quem ergue o semelhante! Celebrações e cultos que não geram profetas não passam de piegas coreografias. Aquietam consciências, mas não ajustam rumos nem enfrentam desafios.
Profetas, mais que devotos, é o que a religião precisa oferecer ao mundo. Ao insistir na dimensão missionária, o Mestre Jesus deixa claro, o que mais espera não são tanto templos cheios, mas seguidores que assumem, com corajosa serenidade, a tarefa de transformar o mundo, tornando-o lugar de feliz, saudável e digno convívio.
Emerge a resposta para a generalizada insatisfação entoada por Mick Jagger: a satisfação não está em receber. Vive-se realizado a medida que se dispõe a oferecer algo de objetivamente benéfico à coletividade. O estar segue o realizar! O desfrute segue o labor! Este é o principal propósito da religião, abastecer o mundo com profetas empenhados em ajudar o homem a redescobrir sua inata vocação de ser sujeito gerador de vida e não mero receptor de satisfações.
Padre Charles Borg é vigário-geral da Diocese de Araçatuba
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